No sentido dos cinco sentidos.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O metrónomo


O metrónomo avariou.
Convenhamos... provavelmente já tem razões para não funcionar devidamente.
Foram os meus pais quem o comprou na escola de música que eu e o meu irmão frequentávamos na infância. Foi há muitos anos. Eu tinha talvez uns dez anos e o meu irmão oito.
Na escola de música, para além de frequentarmos aulas de solfejo e do instrumento musical escolhido (acordeão, piano, órgão) havia ainda a loja de partituras avulsas, manuais de estudo, tripés, etc. Havia também outros acessórios necessários à aprendizagem, tais como os metrónomos.
Agora, em vez do tique-taque certinho de outros tempos, o metrónomo faz tique... taque, tique-taque... tique... tiquetaque... taquetaque... e, às vezes, até pára sem ser travado. Sem mais nem menos.
Era um objecto irritante. Simbolizava para nós, alunos, o exacto segundo em que o professor de solfejo exigia que a nossa mão direita, já posicionada no primeiro tempo da marcação do compasso, se mostrasse firme e que proferíssemos de forma correcta e peremptória a nota correspondente à leitura apresentada. Era o conjunto de pautas semanal, trabalho de casa que, ali, não podia ser descurado e, sem beliscadura, tinha que ser apresentado.

Recordo o franzir ou suavizar do sobrolho, aquela expressão do professor tão rapidamente por nós perceptível que nos transmitia se tinhamos ou não começado bem a leitura. Uma verdadeira dose de nervos para quem, àquela hora da manhã de Sábado, lamentava não ter uns pais como a maioria dos amigos: "Os meus filhos não gostam de música, não têm ouvido... não há necessidade nenhuma de aprenderem música. Para quê?".
E ali estávamos nós. Filhos de quem, contrariamente, achava que não saber distinguir um bemol de um sustenido era impensável.
Porque não andar de bicicleta ao Sábado de manhã? E brincar com os amigos, porque não? Uma autêntica tortura aquelas aulas.

Hoje, o sentimento é absolutamente o inverso. Louvamos com frequência a força de vontade com que nos levavam àquela escola, a noventa quilómetros de distância que, afinal, de castigo não tinha mesmo nada.

Sei que a música é por mim sentida de forma tão profunda pelo facto de ter aprendido a lê-la, escrevê-la, interpretá-la ainda que de forma não tecnicamente criativa, artística, não especialmente brilhante.
O meu irmão, esse, de modo sem dúvida marcante e diferenciado, lhe percorre habilmente os caminhos, desbrava conceitos, regendo vidas novas dentro da música. Vivendo-a todos os dias e todas as noites.

A música faz de nós pessoas mais completas. Regala-nos a alma.
Num flash, percebemos que eles tinham razão.
Tique-taque.

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