No sentido dos cinco sentidos.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O homem é a única criatura que consome sem produzir.

(...)
Com moinho ou sem moinho, dizia, a vida havia de
continuar como sempre, isto é, mal.
Além das disputas sobre o moinho, havia a questão da defesa
da quinta. Ficou bem compreendido que, embora os seres humanos
tivessem saído derrotados na Batalha do Estábulo, podiam fazer
outra tentativa, mais determinada, para reaver a quinta e
reinstalar o Sr. Jones. Tinham razões para o fazer, tanto mais
que a notícia da sua derrota se espalhara pela região e
tornara todos os animais das quintas vizinhas mais rebeldes do
que nunca.
Como de costume, Snowball e Napoleão estavam em desacordo.
Segundo Napoleão, o que os animais deviam fazer era arranjar
armas de fogo e treinar-se no seu uso. Para Snowball, deviam
enviar cada vez mais pombos e fomentar a revolta entre os
animais das outras quintas. Um argumentava que, se não se
conseguissem defender, sujeitar-se-iam a ser conquistados; o
outro sustentava que, se a rebelião surgisse em toda a parte,
não teriam necessidade de se defenderem. Os animais ouviram
primeiro Napoleão, depois Snowball e não puderam decidir-se
sobre quem tinha razão; na verdade, estavam sempre de acordo
com aquele que falava no momento.
Por fim, chegou o dia em que Snowball terminou os seus
planos. Na Assembleia do domingo seguinte seria posta à
votação a decisão de começar ou não a construir o moinho.
Quando os animais se reuniram no celeiro, Snowball levantou-se
e, conquanto ocasionalmente interrompido pelos balidos dos
carneiros, expôs as razões pelas quais defendia a construção
do moinho. Depois, Napoleão levantou-se para responder. Disse, com muita serenidade,

que o moinho era um disparate e que aconselhava todos a votar contra e voltou a
sentar-se; não falou mais de meio minuto e pareceu ficar quase
indiferente ao efeito produzido. Snowball levantou-se com um
salto e, fazendo calar os carneiros com um berro, pois tinham
recomeçado a balir, encetou um apaixonado apelo a favor do
moinho. Até aqui os animais tinham estado divididos mais ou
menos igualmente nas suas simpatias, mas a eloquência de
Snowball arrebatou-os quase instantaneamente. Calorosamente,
traçou um quadro de como seria a Quinta dos Animais quando o trabalho sórdido

fosse retirado de cima das costas dos animais.
A sua imaginação ia para além das máquinas de cortar forragens
e nabos. A electricidade, dizia ele, fazia mover as
debulhadoras, arados, grades, cilindros, segadeiras e
enfardadeiras, além de fornecer a todos os estábulos luz
eléctrica, água quente e fria e aquecimento. Quando acabou de
falar, não havia nenhuma dúvida quanto ao sentido do voto.
Mas, neste momento, Napoleão levantou-se e, lançando a
Snowball um estranho olhar de esguelha, soltou um grito agudo,
como até então ninguém lhe ouvira.

Logo em seguida ouviu-se lá fora um terrível ladrar e nove
enormes cães, usando coleiras com tachas de latão, entraram de
rompante no celeiro.
Foram directos a Snowball, que apenas teve tempo de saltar do
seu lugar para escapar aos seus aguçados dentes. No momento
seguinte estava cá fora, perseguido por eles. Demasiado
espantados e assustados para poderem falar, todos os animais
se amontoaram à porta para assistir à perseguição.
Snowball corria pelo extenso campo de pastagem que conduzia à
estrada. Corria como só um porco consegue correr, mas os cães
iam mesmo atrás dele. De repente escorregou e parecia certo
que o agarrariam. Então levantou-se, correndo mais do que
nunca; mas os cães estavam outra vez quase a apanhá-lo. Um
deles quase fincou os dentes na cauda de Snowball, mas este
sacudiu-a mesmo a tempo. Fez então um esforço suplementar e,
com uns centímetros de vantagem, esgueirou-se por um buraco na
sebe e nunca mais foi visto.
Silenciosos e horrorizados, os animais arrastaram-se outra
vez até ao celeiro. Os cães regressaram, aos saltos. A
princípio ninguém conseguia imaginar de onde tinham vindo tais
criaturas, mas depressa se esclareceu o problema: eles eram os
cachorros que Napoleão tirara às mães e criara em segredo.
Embora ainda não fossem adultos, eram corpulentos e tinham a
ferocidade de lobos. Mantiveram-se junto de Napoleão e foi
observado que abanavam as caudas para ele, do mesmo modo que
os outros cães costumavam fazer com o Sr. Jones.
Napoleão, seguido dos seus cães, subiu para a plataforma erguida no chão,

lugar que antes pertencera ao Major, para fazer o seu discurso.
Anunciou que, a partir de agora, as Assembleias das manhãs de domingo iam acabar.
Eram desnecessárias, disse ele, e uma perda de tempo. De futuro,
todas as questões relacionadas com o trabalho da quinta seriam
resolvidas por um comité de porcos, presidido por ele. Estes
reunir-se-iam em segredo e depois comunicariam as suas
resoluções aos outros.
(...)

in ORWELL, George - O Triunfo dos Porcos, Col. Grandes Clássicos do Século XX, Europa-América, pp. 49, 50.

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